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Sincericídio

 

Tanto tempo que eu queria escrever esse post e ficava esperando um daqueles momentos em que tudo está em ordem, a mente calma e o coração tranquilo. Resultado, o post não saia nunca, porque, né? Coração tranquilo? Até parece que não me conheço, pra sonhar com um momento desses.

E então que resolvi simular esse momento de plenitude agora. Silenciar – à força – o ruído da vida acontecendo, que é justamente pra poder falar dela com mais clareza. Sabe quando a gente se afasta do quadro pra enxergar a composição inteira, não só os detalhes? Bem assim.

Eu tinha um blog pessoal, tipo diário/caderno de anotações, onde eu despejava minhas impressões sobre tudo. E tudo é tudo no sentido mais transbordante da palavra; podia ser uma descrição do meu teste pra tirar CNH como algum absurdamento meu em relação ao Governo vigente. Era bom. Eu falava o que queria e algumas pessoas gostavam de ler, compartilhar seus pontos de vista sobre o mesmo assunto. Era um mundo tranquilo. Fiz amizades verdadeiras ali.

Nessa história de falar sobre tudo, sempre tinha um assunto muito recorrente, que eram – oh, que surpresa – os cosméticos. Natural, né? Sou mulher, sou brasileira, não desisto nunca; óbvio que meu consumo desenfreado de produtos de beleza acabava ganhando atenção especial no meu diário. Sendo grande parte do meu “público leitor” do sexo feminino, era mais natural ainda que as postagens sobre o assunto gerasse super, mega interesse. O resto dessa história a maior parte de vocês já conhece, foi daí que Ana Farias e eu nos unimos pra criar o Trendy Twins e foi esse meu passaporte para o que então eu não conhecia, mas já existia, o chamado nicho dos Blogs de Beleza(e Moda).

Era o quê, 2008? Um período maravilhoso. Lógico que quem escreve e publica no blog é o chamado autor, mas era a partir dos leitores que a mágica acontecia. Estávamos nós ali, conversando cara a cara com mulheres de verdade, sobre dúvidas corriqueiras sobre curvex ou o melhor jeito de passar blush. Na lata. Perguntou, respondeu. E em seguida alguém acrescentou. E veio outro e esclareceu. Assim por diante, a convivência diária de milhares de vizinhas cujo único endereço em comum era fixado na tal www.

Todo mundo era blogueiro, mas veja só, todo mundo também era leitor! Nós nos frequentávamos mutuamente. Existia afeição. Respeito, admiração. Preste atenção, você que chegou aos blogs de moda/beleza outro dia: em 2008/2009 todo mundo era amigo de todo mundo. Literalmente. Amigo de cantar refrão, de pagar mico junto (desafios de maquiagem temáticos, nossa quantos…). Outro
dia levei um susto, vendo foto minha de roupão, junto com outras blogueiras, no Google Images. Uma coisa assim, espontânea, sinto muito, mas você que chegou agora não vai mais presenciar.

Só tinha uma coisa que eu não entendia bem, não conseguia digerir, sabe? Por mim eu estava ali pra falar de como EU fazia minhas coisas. De como EU me virava pra chegar no resultado X. Do que EU tinha achado. Pra mim, a única coisa que tinha mudado em relação ao meu blog-diário é que agora o assunto girava sempre em torno de beleza e muito mais gente estava lendo. Só isso. De resto, era eu, sendo eu.

Mas isso não bastava mais. O mundo mudou e as pessoas, de uma hora pra outra, começaram a olhar para bloggers como quem olha para um Oráculo de sabedoria. Não eram mais dúvidas, nem troca de experiências. O autor deixou de ser um companheiro de caminhada para ser um líder em direção ao horizonte. O texto mudou de olha como eu fiz para “você tem que fazer assim também, se quiser ser igual a mim”.

Caí das pernas.

Gente, por favor, não sejam iguais a mim! Eu nem sei o que estou fazendo aqui, nesse vasto mundo de meu Deus! Quem sou eu na fila do pão?! A ideia de alguém tendo altas expectativas sobre minha opinião decisiva sobre a marca tal e o produto T simplesmente me deixa zonza. Porque eu não sei até que ponto você tem a pele igual a minha, o fio de cabelo como o meu. Quando você diz que só vai comprar o tal produto depois que eu fizer uma resenha… olha, morre um bebê panda no meu coração.

Porque eu quero que você continue aqui, perto de mim; a gente conversando e trocando impressões. Adoro estar sempre por dentro dos melhores lançamentos, dos tratamentos, das novidades e ofertas nas lojas. Tudo pra gente ter assunto, pra conversa rolar. Mas eu não posso (eu não quero!) te dizer exatamente o que consumir. Eu não quero vender coisas diretamente pra você. Não sou vendedora. Sou curiosa, apaixonada pelo ramo, experimentadora. Eu uso e mostro o que pude conhecer de perto. Mas podem acreditar, não é isso que esperam de mim, hoje em dia.

E não estou falando só de anunciantes não. Porque do anunciante que vem e declaradamente compra um Publieditorial ou Banner, esse que quer que eu apresente o produto dele pros meus leitores, tudo bem, com ele eu não tenho problema nenhum, ele é honesto, sério, e mais do que bem vindo. Mas sempre tem quem queira que eu te chame de Amiga e, sutilmente, te diga que você não pode viver sem o Batom G do momento. Isso até semana que vem, quando o batom do momento será o Batom R e aí eu que me vire, pra que você acredite nessa minha opinião, que não dura sete dias corridos.

Mas eu disse que o problema não estava nos anunciantes. Sabe por que? Porque sou adulta e sei distinguir meus valores. Ninguém me obrigada a aceitar nada, então, pra proposta obtusa e desonesta, é super simples e sem drama: a gente fala não. E segue em frente. Pobre, mas limpinha.

Só que.

O que está acontecendo com o público leitor?

Sim, porque aparentemente não tem muita gente interessada em nada que vá além de fatos & fotos, ou de respostas rápidas a perguntas como: você acha que devo comprar esse ou aquele. Ou os quatro? Que sandália é essa, não sabia que existia mas sempre quis uma! Posta foto da sua cesárea, por favor, a minha é semana que vem e preciso de inspiração!

Gente, que tristeza. E estou falando muito sério sobre essa melancolia. O que faz a gente ser o que é, individualmente, como pessoa de carne e osso, são nossas escolhas. NOSSAS ESCOLHAS. No momento em você permite que todas as suas escolhas sejam baseadas em inspirações que partiram das escolhas de outras pessoas, que também se inspiraram em outras pessoas, isso te transforma em quê? Num inspired de ser humano? Quem é você?

Por favor, escolha sua própria armação de óculos; a saia que você vai usar; a bolsa que combina com a maior parte das suas roupas, não com suas curtidas no Instagram.

Seja você, seja inteira. Pra gente poder voltar a conversar e a trocar pontos de vista diferentes, já que nesse momento, não precisamos nos preocupar em gastar o latim, é só copiar e colar, porque todo mundo está falando exatamente a mesma coisa. E muitas vezes essa mesma coisa está longe de estar certa. Imaginem um eco infinito de uma bobagem dita por alguém “gerador de opinião” (atualmente gerador de opinião, no mercado de blogs, é sinônimo de gente que influencia decisão de compra. Verdade nua e crua. Essa é a vida).

Eu quero propor um trato: vocês voltam a se mostrar como são, sem medo de ser feliz e eu volto também, livre dessa conduta engessada que adquiri por rendição, no ritmo artificial das coisas, por medinho de ser deixada pra trás.

Como já disse o poeta: vamos nos permitir. A sabedoria popular diz que muitas vezes é preciso dar passos pra trás antes de seguir em frente. Eu sugiro que a gente faça uma maratona de costas e volte ao ponto de partida. Um que seja mais realista e humano.

Por favor, vamos?

Um beijo!