Há algum tempo, na podóloga: “é, mas tu tem a cara bonita. Todo gordo tem cara bonita”. A mulher tinha na mão um bisturi, que usava para mexer no espaço entre a unha e a carne do meu dedão. Não respondi nada.
Dois dias atrás, aqui mesmo no trabalho, a faxineira: “é o que dizem, gente gorda tem rosto bonito mesmo, né?”. É, Creuzemira? Verdade? Porque eu já vi gente gorda de cara bem feia, e já vi gente magra de cara bonita… mas pera. O que pega nesse tipo de declaração é que normalmente querem dizer que gente magra é bonita e gente gorda tem o rosto bonito. Só o rosto. Que é isso, Creuzemira???
Se tem uma coisa que eu realmente acho mais bonito cheinho de carne do que ossudo é o colo. Que me desculpe Vinícius de Moraes, o adorador de saboneteiras, mas o colo de uma mulher cheinha é realmente bonito. Macio, opulento, generoso. Fica lindo no decote. Fafás e Pretas que o digam! O que não quer dizer, é claro, que toda gordinha tenha o colo bonito. Ou o rosto bonito. Ou o resto feio. Porque nem todo X-característica-física tem o X-parte-isolada bonito ou feio. Esse é o problema, essa coisa de colocar todas as mulheres gordas no mesmo saco (um saco bem grandão), como se a gordura as tornasse indistintas, tudo a mesma coisa.
Ei, Adele, você tem um rosto bem bonito…
Mulheres gordas querem ser individuos, como qualquer outra pessoa. Querem ter mais itens de descrição que simplesmente a gordura. Eu já vi, muitas e muitas vezes, pessoas descrevendo as amigas gordas: fulana? Ah, ela é gordinha – inha, mesmo que ela seja muito gorda.
Dizer “gorda” soa ofensivo, então é “gordinha”, mesmo que o diminutivo não corresponda à realidade. Na verdade, a amiga gorda – eu, no caso – preferiria ser descrita com maior riqueza de detalhes, por exemplo: ela é gorda, é alta, ela tem os olhos verdes, ela gosta de ler e odeia escrever, tem um senso de humor um tanto perturbado e muitas vezes diz coisas constrangedoras (todas as palavras acima já foram usadas contra mim em algum momento da minha vida).
Não é que ser gorda e ser descrita como tal seja ofensivo. Ser gorda é uma característica como qualquer outra (e quanto mais cedo a gente se dá conta disso, mais cedo passa a se aceitar e a se gostar), embora as pessoas que não são gordas muito comumente deem um peso negativo, em todos os sentidos, para a palavra e para a característica. É só que a gente não é só gorda ou só magra, a gente tem pernas bonitas ou feias, braços compridos ou curtos, bundas redondas ou caídas, e rostos que, oh, Deus, não, não são sempre bonitos.
Obviamente que não espero que alguém vá me descrever mencionando peitos, bunda, coxas, etc, mas dizer só “ela é gorda”, como se isso fosse tudo? É muito pouco.
Eu sou perfeitamente capaz de compreender que uma pessoa que olhe para mim e diga que “gente gorda sempre tem rosto bonito” esteja, na verdade, tentando me agradar, deixando implícito nesta afirmação que sim, tenho algo de que me orgulhar, um rosto, que mais não seja! Se valer a pena contestar, vou tentar explicar que não é bem assim. Se não for o caso, daí provavelmente vou apenas fazer alguma brincadeira a respeito e pronto, passou. Como no caso da Creuzemira, que me elogia muito. Principalmente o meu rosto.
Outra coisa curiosa que às vezes me acontece é eu dizer a alguém que sou gorda e a pessoa imediatamente me corrigir – não, você não é gorda, você é grande! Sim, sou grande, o que não quer dizer necessariamente a mesma coisa que ser gorda, e tem muitas gordas baixinhas, que jamais poderiam ser chamadas de grandes. Elefantes são grandes. Girafas são grandes. É mais ou menos essa a diferença entre grande/pequeno e gordo/magro.
Gente, olha, tudo bem eu ser gorda. Se tá tudo bem para mim, então tá tudo bem para vocês também, certo? Só não me descrevam dizendo que eu sou só gorda e ponto final. Podem dizer que sou gorda e grande. E não esqueçam de mencionar também o rosto bonito e os famosos olhos verdes como esmeraldas.