Dia de calor em São Paulo. Sentada no escritório onde o ar condicionado funciona precariamente, leio a previsão: temperatura pode chegar aos 32°C na tarde de hoje.
No Facebook, uma sugestão de página: dicas de guarda-roupa plus size, por uma loja que vende pela internet e que fabrica roupas de todos os tamanhos. Acesso. A página é nova, são poucas as dicas, e vou lendo algumas à medida que baixo a página. São conselhos de como se esconder debaixo da roupa, ou de como usar roupas que façam uma mulher gorda parecer menos gorda, ou pelo menos mais alta. Na verdade, o termo que usam é “alongada”. Alongada. Porque ser gorda é ser curta!
Algumas destas dicas de moda são boas, mas pelos motivos errados. Exemplo: abuse dos decotes em V, que valorizam seu colo e… e… isso, alongam a silhueta! Eu concordo com decotes, já falei a respeito do colo das mulheres gordas, colos gentis, amplos, generosos, voluptuosos. Mas se o propósito for a-l-o-n-g-a-r a silhueta, eu recomendo o uso de saltos altos. Altíssimos. Com plataformas. Dá para ganhar uns 15 centímetros. Mais alongada que isso, só se usar pernas de pau. Outra dica para parecer mais alta: tenha um namorado baixinho. Sério. Eu sei muito bem como é isso.
Outra que ia muito bem até certo ponto: para um visual sexy mas com classe, use detalhes em renda. Garante um charme extra e não mostra as gordurinhas indesejadas. Opa! Mas e para quem não tem esse problema de sentir que seu corpo (ou partes dele) é indesejado, como fica? Então a gente come o pão que o diabo amassou tentando conquistar a autoestima para vir alguém dizer que a roupa é boa porque não mostra determinados detalhes da nossa anatomia, detalhes que são normalmente exibidos por pessoas que não são gordas?
Eu concordo que a gente deve usar roupas que fiquem bem, que valorizem o nosso corpo. E cada tipo de corpo fica melhor num tipo de roupa.
Longe de mim aconselhar alguém a vestir algo que pareça feio, inadequado, que cause constrangimento. Por outro lado, eu ainda acho que é ditadura estabelecer que mulheres gordas devem usar roupas que as façam parecer menos gordas. Não é adequado usar uma roupa bonita que me permita continuar parecendo completamente gorda – o que eu sou e assumo?
Mas a mais triste mesmo foi a última dica que li. Na hora de comprar blusinhas, escolha modelos com mangas 3/4. As mangas são mais compridinhas e cobrem a parte grossa do braço, deixando apenas a fina à mostra. Olhei para meus braços grossos completamente expostos pela blusa azul-de-bolinhas-brancas sem mangas. Olhei com atenção. Nenhuma parte do meu braço é fina, e dei graças por isso. Um braço meio fino, meio grosso seria muito estranho.
Meus braços são grossos. Por que iria escondê-los? De quem? Com que objetivo? Será mesmo que alguém, ao olhar para mim, se eu estiver vestida com comportadas mangas 3/4 no calor de 32 graus, vai pensar que tenho braços finos? Melhor seria então usar mangar compridas, mas um pouco curtas para o tamanho dos meus braços. Apareceriam só os punhos, e quem me visse diria – oh, mas que punhos delicados tem essa moça gorda! E, afinal, que tipo de marketing é esse que diz que a gente tem que esconder os braços? Os braços!
Imaginei a minha pessoa sentada aqui, com 32ºC lá fora, ar condicionado defeituoso, um ventilador para me aliviar, vestindo uma blusa com manguinhas 3/4, um decote V coberto por renda, como os das noivas de antigamente. Triste. Felicitei-me pela blusa sem mangas, tão mais adequada ao verão tropical.
Sei que as dicas são bem intencionadas, mas isso não é o bastante. Se uma marca que fabrica roupas plus size se dedica a ensinar uma mulher a “disfarçar” o seu corpo, subentende-se que esse corpo não pode ser admirado do jeito que é, mas que precisa ser sutilmente escondido, maquiado, atenuado.
Em outras palavras, um corpo que precisa ser disfarçado por roupas não é bom o bastante. E isso vai contra tudo que eu penso, contra tudo que eu espero de uma sociedade saudável! Porque uma sociedade saudável não estabelece padrões excludentes, que permitam tudo a alguns, e a outros apenas disfarces, subterfúgios, para que passem desapercebidos.
Talvez toda a minha revolta tenha a ver com a tranquilidade com que as pessoas assediam gente gorda com piadas infames. Com a verdadeira falta de sensibilidade com que tantos apregoam que gordos só fazem gordices, como se fazer coisas tolas fosse privilégio de gordos. Com as pesquisas ultrajantes que divulgam para convencer todo mundo que gordos não tem espaço no mercado de trabalho, no mercado matrimonial e na mídia. Talvez. Não sei. Mas, definitivamente, quem fabrica moda plus size deveria alimentar a autoestima do seu público-alvo e não sugerir que eu disfarce o meu corpo. Que não é ofensivo. Aliás, corpos não são ofensivos. As pessoas é que são.