Quando se junta na mesma frase as palavras aparência física e autoestima, eu sempre penso em pessoas adultas, principalmente mulheres. Porque as mulheres adultas são vulneráveis demais a tudo que os outros pensam a respeito de sua aparência. Isso nasce em alguma época, por algum motivo. Mocinhas querem parecer bonitas, tanto para os meninos quanto para outras meninas e, principalmente, mocinhas e mocinhos querem se parecer com outras mocinhas e mocinhos. Daí a gente aceita quando dizem para a gente que ser bonita é ser magra, alta, ter os cabelos lisos e por aí vai. E muita gente carrega isso pro resto da vida, mas não é por aí que vai a conversa. A conversa de hoje fica mesmo em pessoas de 11 anos, aliás, uma pessoa específica de 11 anos de idade.
Essa menina se chama Julia Gabriele. Como tantas outras crianças, a Julia Gabriele conseguiu autorização dos pais para fazer um perfil no facebook, onde postava suas fotos e as fotos dos seus ídolos adolescentes. Coisa do tipo Rebeldes. Então, um dia, um sujeito qualquer viu a foto do perfil da Julia Gabriele e achou muito engraçada. Isso porque a Julia, essa menina de apenas 11 anos, tem sobrancelhas bastante bastas, que se juntam. Este sujeito, que até pode ser um menino da mesma idade da Julia, não reparou nos olhos expressivos da menina, em como um mundo inteiro pode ser vislumbrado dentro daquele olhar. Não notou também que ela tem lindos cabelos compridos. O que lhe chamou a atenção foi o fato de ela ter sobrancelhas unidas e uma leve penugem sobre o lábio superior.
Foi o que bastou para que a foto fosse parar numa dessas páginas de trollagem. E a partir daí já não há desculpas para ninguém, porque o assédio foi tamanho que a coisa incomodou não só a Julia Gabriele, mas também os pais da menina que, dizem, procuraram a delegacia para tentar descobrir como evitar que a imagem da filha continue exposta dessa forma. Descobriram o seu perfil no facebook e passaram a enviar fotos e mais fotos de cortadores de grama. Pessoas de todas as idades – e com todo tipo de aparência física – perderam seu tempo ofendendo a menina. Ofenderam, alegaram alguns, porque ela não tirava os pelos com uma pinça, e isso é inaceitável. Outros disseram que ofenderam simplesmente porque lugar de criança não é no facebook. Já outros foram mais honestos: ofenderam porque acharam engraçado, azardelasenãogostou.
O perfil da Julia no facebook sumiu rapidamente, não sei se apagado ou se mudaram para privado. Logo surgiu um twitter em seu nome – não há qualquer garantia que tenha sido criado por ela – em que foi postada a seguinte frase: “eh muito ruim ver pessoas zombando de vc , so pq vc nao agrada elas por ser quem vc eh” (sic). E essa frase, essa frase detém tanta verdade que é chocante imaginá-la saindo da imaginação de uma menina de apenas 11 anos. É muito ruim ser transformada em alvo de zombaria apenas por ser quem você é. A Julia, como tantas outras meninas, mulheres, pessoas, não foi atrás de ninguém pedir que gostassem dela, que a aceitassem. O erro dela foi apenas ser o que é, e não se esconder.
Quando eu tinha 11 anos, eu era uma criança na mais completa acepção da palavra. Absolutamente infantil, inocente, bobinha a ponto de ser chamada de “criancinha” por outros que não eram mais velhos do que eu. Eu não era aceita em todas as rodinhas, e até algumas meninas que eram “amiguinhas” na hora de fazer lição junto ou visitar a minha casa me tratavam mal na escola, porque não pegava bem ficar perto de uma garota tão infantil. Mas eu sobrevivi, e sem grandes arranhões. Primeiro, porque eu era uma menina inteligente, apesar da inocência (embora ainda hoje me pareça estranho ver a inocência como fator de detração para quem tem apenas 11 anos). E segundo porque, na minha época, as batalhas eram campais, mas você via seu inimigo. Ele estava nos corredores da escola, ao seu lado da sala de aula. Eles tinham mais ou menos a sua idade, e você podia olhar nos olhos deles enquanto eles riam da sua aparência ou do seu jeito de criança.
O que eu espero é que a Julia Gabriele aprenda muito cedo o que é autoestima. E que, apesar de ser muito cedo para ter que encontrar tanta força, ela saiba que não tem qualquer obrigação de tirar seus pelos com pinça apenas porque os outros acham que é isso que ela deve fazer. Eu desejo do fundo do meu coração que ela sinta tudo aquilo que foi dito no tal twitter em nome dela: que ela não vai mudar apenas para agradar os outros, mas sim quando ELA quiser (não sou capim para agradar vaca, é o que está dito) e que sabe que não deve derramar mais nenhuma lágrima pelas pessoas que lhe fizeram tão mal.
Lembra da história de que nunca é tarde demais para descobrir o que é autoestima e como mantê-la em alta? Então. Com a Julia Gabriele eu aprendi também que nunca é cedo demais. Que pena.