… e então a Perséfone entra na Igreja, radiante, vestindo um lindo modelo tomara-que-caia – tomara que não caia, para o bem das famílias brasileiras! – e diz o “sim” ao seu amado benfeitor, sob o olhar de franca desaprovação dos agora sogros.
Eu sei, falar dessa novela já encheu a paciência de todo mundo. É um contínuo jogo dos erros, que reforça todo tipo de teoria preconceituosa contra mulheres em geral, gordas em especial. O fisioterapeuta bonito que se casa com a enfermeira gorda recebe críticas de todo mundo. Como se fosse a coisa mais normal do universo que todo mundo se sinta no direito de dizer a ele que moça é gorda, que é difícil de abraçar, que não combina com ele, que vai fazê-lo infeliz unicamente por ser gorda.
É normal, gente? Porque, vejam bem, eu estou do outro lado dessa história. Eu sou a gorda. Não sei se algum homem, por sair comigo, teve que enfrentar esse tipo de coisa. Piadinhas fora de hora – até mesmo no altar, vinda de um dos padrinhos -, o absoluto desespero da família, constrangimentos. Eu, certamente, nunca me senti no direito de dizer a quem quer que fosse que seu/sua parceiro/a não era adequado por ser baixo/gordo/moreno (é, estou apenas contrapondo a versão de que a “beleza” é alta, magra e loira).
Eu sei que não sou a única pessoa que acha tudo que envolve a história da Perséfone anormal. Muita gente melhor que eu já falou sobre isso, já reclamou, já fez abaixo assinado, já pediu ajuda aos universit… opa, não, não foi aos universitários, que estes estão em greve, na verdade pediram foi para psiquiatras e analistas falarem sobre o assunto, e eles falaram. Não vi ninguém concordar com a maneira com que o autor conduz a personagem. E vamos convir, é uma obra de ficção.
Mas a verdade é que, bem ou mal, é sucesso. Provoca discussões, polêmicas. As pessoas falam sobre isso. Inclusive no programa da Ana Maria Braga. A Perséfone – quer dizer, a atriz Fabiana Karla – esteve por lá. Defendeu sua personagem, defendeu a si mesma: preciso pagar a Disney das crianças no final do ano! Não é ela quem escreve as cenas, não é ela a criadora da personagem. Fato.
E daí fizeram uma matéria para ajudar as mulheres gordas a escolher o vestido de noiva. Para variar, a coisa é taxativa. Não dizem o que sugerem, mas o que NÃO PODE. NÃO PODE usar véu curto (mais uma vez, obrigada, universo, por me permitir ser alta, porque gorda é curta e tem que procurar se alongar). NÃO PODE usar decote quadrado. NÃO PODE usar enfeites na lateral da cabeça. NÃO PODE deixar aparecer a gordura debaixo dos braços. NÃO PODE usar o vestido que você quer, moça – e, note-se, isso não se aplica só às gordas, a lista do “não pode” na moda serve para todo mundo que não tenha muita altura e pouquíssimo peso.
Eu acho importante dizer, a esse ponto, que eu não peço, nunca pedi, a ninguém que aplauda uma pessoa por ela ser gorda. Do mesmo jeito que não espero que aplaudam outra apenas por ser magra. Às vezes parece que isso não fica muito claro. Não faço “apologia da gordura”, e nem da magreza. Mas será que é demais sonhar com um tempo onde pessoas não se deem o direito de determinar o que é certo ou errado para o outro vestir? Gente! Que imensa pretensão é essa de dizer a alguém que ela NÃO PODE usar o vestido que quer no dia do seu próprio casamento? Separar meia dúzia de modelos e afirmar, em rede nacional, que aquilo é o que ela DEVE usar, como se o resto fosse proibido?
Às vezes parece que é uma luta inglória. Tentar convencer os outros de que não se busca aprovação, mas unicamente aceitação. Viva como quiser viver, vista o que quiser vestir, e me dê o direito – o DIREITO – de viver como quero viver e vestir o que eu quero vestir. Não me parece um desejo descabido. Pode olhar sem medo para as gordurinhas debaixo dos braços da gordinha, eu juro que elas não vão te fazer mal algum. Verdade. Você não terá pesadelos com isso.
Vamos combinar assim: eu deixo você ser do jeito que você quiser, e você me deixa ser do jeito que eu quero. E cada uma veste aquele vestido que gostar mais, aquele vestido que te faz sentir linda, independente de que partes sejam escondidas ou reveladas. Sem críticas. Sem regras. E todas seremos felizes para sempre.