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Coluna da Chris

Coluna da Chris: Vê se fala direito comigo, viu!

 

Então, semana passada eu falei sobre variar os temas e daí me aconteceu algo que eu acho que até dá para a gente ver como uma espécie de desafio à autoestima. Como mulher, como pessoa, como profissional.

Eu trabalho num escritório que fica num prédio de 12 andares. São pequenos conjuntos, quatro por andar, e nós estamos justamente no último. Fomos os primeiros a chegar aqui,há 20 anos. O plural quer dizer meu chefe, o legítimo dono e senhor, e eu, a secretária.

Então o nosso ar condicionado quebrou há coisa de um mês. É um daqueles aparelhos enormes, que tem duas unidades, uma na escadaria de serviço, outra no forro do conjunto. Quer dizer, não é tarefa fácil trocar uma geringonça dessas, e inevitavelmente haverá algum barulho, alguma sujeira, alguma bagunça.

Foram precisos cinco dias para concluir o serviço, e mais algumas noites. Isso porque em prédio comercial só se pode fazer reformas depois das 19:00h e aos sábados. Durante todo esse trabalho, eu só estava presente no último dia. Fiquei sabendo que foram avisados duas ou três vezes que deveriam parar com o barulho, e que atenderam às solicitações.

Neste último dia, uma segunda-feira, todo mundo já nervoso e irritado (menos eu), os meninos disseram que, para conseguir terminar, precisariam dar 6 ou 7 marteladas e mudar o ângulo de um cano. Eu autorizei, porque considerei que 6 ou 7 marteladas não seriam assim tão incômodas, e já estávamos na fase de “se não terminarem hoje, não vou deixar que voltem amanhã”. Martela aí, nego.

Foram mesmo 6 ou 7 marteladas. E 1 porrada na porta. Abri, e um homem que eu nunca tinha visto antes gritou, com o dedo em riste: VOU MANDAR UMA MULTA!
– Ah, sim?
– SIM!
– Ok. Eu posso pelo menos saber quem é o senhor?
– O SÍNDICO!
Tim Maia, valei-me. Porque ele apenas gritou, o tempo todo em que esteve parado ali na porta. Sobre o regulamento interno, e sobre o barulho, e sobre a multa, a multa, a multa. Tinha ao seu lado uma testemunha que me disse que era preciso haver “governança corporativa”. Ora, eu sou secretária, mas sou formada em Administração de Empresas. Palavras difíceis – e completamente deslocadas – não tem qualquer poder sobre a minha pessoa.

Resumindo a história, eu fiquei indignada, bem como o vizinho de porta, que ouviu tudo e contou para todos os funcionários do prédio. Meu chefe, em apoio, fez uma carta ao condomínio, mencionando a civilidade do uso da campainha, a temeridade de gritar com alguém antes de se apresentar (poderia ser confundido com um bandido) e a mal sucedida aula de erudição que foi falar em governança corporativa numa questão que envolve o vizinho de cima (que não tem qualquer ligação corporativa com o vizinho de baixo) desferindo marteladas em horário proibido.

E então o Síndico escreve uma carta, coloca num envelope com as ordens expressas de que só fosse entregue nas mãos do proprietário do conjunto. E diz, nesta carta, que não houve aula de erudição, porque não teria sido entendida (por mim). Que ele gentilmente pediu que eu parasse com o barulho, que perguntou quem eu era, e se era a proprietária, que argumentou que já era a quarta vez que falava comigo a respeito e que, finalmente, eu tinha dito que pararia o barulho e aguardaria a multa.

Um verdadeiro jogo dos 7 erros. Primeiro, por tentar intimidar uma mulher, subalterna (que até então ele sequer sabia se era dona ou empregada) através da gritaria e do dedo no rosto. Segundo, por explicitamente desconfiar da minha idoneidade ao exigir a entrega da carta em mãos. Terceiro, por considerar, apenas olhando para mim uma única vez, que eu seria incapaz de compreender “aulas de erudição”. Quarto, por ignorar que testemunhos desinteressados desdizem a sua versão da história. Quinto por acreditar que ameaças monetárias assustam as pessoas. Sexto por defender seu direito a esmurrar as portas sem ser anunciado. E sétimo, o mais ingênuo de todos, por imaginar que eu tenha sequer pensado em parar o barulho. Àquela altura, depois da demonstração de macheza do rapaz, o que fiz foi fechar a porta e dizer aos trabalhadores: se tiverem que bater mais, batam, mas batam com vontade! Pena que eles já não tinham mais nada para bater…

É claro que eu, por minha conta, assumi o risco de levar uma multa. E claro que sabia até onde podia ir com o meu chefe, pois foi ele quem pagou a dita multa. Eu concordei com a multa justamente por saber que ela poderia acontecer. O inaceitável não foi receber a multa – e pagá-la até antes do vencimento – mas sim a maneira como o sujeito acreditou que poderia falar comigo.

Se ele foi movido por machismo, por preconceito ou por simples grosseria eu não sei dizer, justamente porque não o conheço. Não dá para a gente deduzir tanto de uma pessoa num único diálogo hostil. Por outro lado, achei interessante a maneira como ele afirmou, na sua cartinha cheia de erros, que eu tinha mentido e que seria incapaz de compreender o que quer que fosse que eles tivessem a dizer, seja sobre administração de empresas, futebol ou o ciclo de vida dos pintassilgos venezuelanos.

Sem radicalismos, mas é neste tipo de situação que eu questiono a nossa sociedade. Porque enquanto houver gente disposta a tratar alguém, seja por causa do gênero, da profissão ou da aparência, dessa maneira indigna, é sinal de que a gente ainda não evoluiu o suficiente. Eu aposto 10 contra 1 que a conversa teria sido completamente diferente se quem tivesse atendido à porta fosse o meu chefe, e não eu. Não haveria gritaria, não haveria arrogância ou ameaças.

Tenho muitas teorias a respeito de homens que gritam, homens que dão porrada em portas e paredes, homens que demonstram esse pouco sutil desprezo por outras pessoas. Mas nem vem ao caso. Importante mesmo é dizer que nada do que ele e outros como ele façam ou digam tem o poder de mudar minha segurança ou a imagem que eu tenho de mim mesma, construída com muito afinco. E ainda por cima sei o que é governança corporativa… tô podendo!

Coluna da Chris

Coluna da Chris: Todo Mundo é uma História

 

Autoestima: qualidade de quem se valoriza, se contenta com seu modo de ser e demonstra, consequentemente, confiança em seus atos e julgamentos (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Tenho falado bastante de autoestima em relação à aparência física. Falo sobre isso porque essa é uma luta pessoal, diária e cheia de altos e baixos. Aceitar o meu corpo, a minha aparência, a forma que as outras pessoas me vêem, tendo consciência de que nem sempre será de forma positiva. Essa luta foi muito importante para que eu começasse o meu processo de valorização de quem sou. Chega uma hora que ou a gente se entrega ou reage. Eu escolhi reagir, e a primeira frase que eu usei nessa reação foi “eu sou uma pessoa”.

Só que, claro, a autoestima não tem a ver apenas com a maneira como a gente se parece, com o corpo dentro de padrões ou fora de possibilidades. Não adianta nada ter um corpinho com tudo em cima, nas medidas desejadas, e não ser capaz de se avaliar positivamente como mulher, pessoa, profissional, parceira amorosa, mãe, filha, passageira de ônibus, etc… e no etc cabe tudo que se possa imaginar.

Quando falo sobre o corpo – o meu e o dos outros – o assunto parece relativamente simples, porque a gente trata do que pode ver, mensurar, e a ideia é não rejeitar nenhum corpo, qualquer que seja sua aparência e medida. Você pode ser feliz com o seu corpo! Simples, né? Nem sempre é simples de aplicar, mas não é difícil de entender, de aceitar que isso possa ser assim.

Além disso, hoje em dia existe um grande movimento – pode chamar de reação – para que as pessoas, as mulheres em especial, digam um NÃO bem redondo às imposições sociais e às empresas que usem como estratégia de marketing a verdadeira destruição da autoimagem de alguém para em seguida oferecer a solução milagrosa. É um assunto que está em alta, é um assunto sobre o qual a gente lê e ouve quase todo dia.

O que eu gostaria de tentar, nas próximas semanas, mas que só vou conseguir se tiver a ajuda de vocês, é abordar outros aspectos da autoestima. Não é uma abordagem profissional: não sou psicóloga. Mas é o lado da mulher comum, que no consultório do médico abre uma revista feminina disponível e lê uma matéria como sobre se tornar atraente para o seu namorado. Ou sobre como conseguir um namorado, ou convencer o seu marido a respeitar a sua compulsão por compras. Ou sobre o fato de que inúmeras mulheres acreditam piamente que só terão valor social se forem casadas.

Estes temas todos também dizem respeito a mim, e a quase todas as mulheres que eu conheço. Pode ser – quem sabe – um novo passo nesse mundo fascinante da autovalorização.

E então, aceitam começar uma nova aventura?

Coluna da Chris

Coluna da Chris: a Suelen

 

Suelen mede 1,70m de altura e pesa cerca de 89 quilos. Ela já pesou mais de 100 quilos mas – dizem – foi orientada a não discutir esse assunto com a imprensa.

Apesar do tamanho e da forma do seu corpo, Suelen é uma jogadora profissional de vôlei e, na semana passada, foi convocada pelo técnico José Roberto Guimarães para a Seleção nacional que vai disputar o Montreux Volley Masters, campeonato a ser disputado entre 28 de maio e 2 de junho na Suíça.

Jogadora mais baixa de sua atual equipe, a Amil, a Suelen é uma potência. Atleta de altíssima qualidade técnica, ela teve a terceira melhor recepção da Superliga 2012/2013. Ela joga como líbero, aquela posição do fundo da quadra, especializada em recepção e defesa. Sabe aquele jogador que usa um uniforme de cor diferente nos times de vôlei? Então.

Vivendo num país com uma quantidade tão grande de jovens com sobrepeso ou mesmo obesidade, é de se imaginar que o fato de termos uma jogadora como ela – agora convocada pela Seleção do país que é uma das maiores potências do vôlei mundial – seja algo positivo, a ser festejado, elogiado, um verdadeiro incentivo para que outras garotas como ela se dediquem ao esporte… certo?

Bom, não é bem assim que a imprensa esportiva vê a coisa. Após um final de ano em que o UOL Esporte publicou matéria para afirmar que Suelen provavelmente teria sua carreira encurtada por conta do seu peso (matéria de out/2012), a convocação da moça provocou algumas reações no mínimo interessantes. “Líbero gordinha convocada”, dizia a chamada de um site de esportes. E a líbero gordinha tem nome?

Obviamente que ser gordo não é nenhum pecado, mas vá dizer isso para quem escreve e comenta sobre esportes. Ao lado de algumas chamadas de atenção por parte de apreciadores do jogo de Suelen, outros anônimos da internet diziam que se uma pessoa treina tanto assim e continua gorda, só pode ser desleixada.

A jogadora já declarou que faz dietas super rigorosas, com acompanhamento de nutricionistas, para manter a saúde em dia. Tanto é que emagreceu, no último ano, cerca de 12 quilos. Além disso, ela trabalha mais que as suas companheiras, pois tem um programa físico muito mais puxado, que inclui exercícios aeróbicos na esteira e bicicleta ergométrica. E os exames de sangue de Suelen não apresentam nenhum resultado indesejado.

Qual será, afinal, o papel do esporte e da imprensa esportiva num país como o Brasil? Certo, Suelen é diferente de suas companheiras, mas até agora isso não tem se mostrado um problema. Mas em lugar de aceitar que é um fato que pessoas mais pesadas possam praticar esporte de alto nível, um fato que pode abrir novas perspectivas para tantos jovens, quem ganha dinheiro falando de esporte faz justamente o contrário: rejeita a sua presença da mesma forma velada que gente preconceituosa faz com gordos não tão famosos. O argumento? A saúde. Mesmo que o gordo em questão não tenha qualquer problema de saúde. “Mas vai ter”, é a palavra final dos detratores.

E quem pode discutir com a bola de cristal?

Coluna da Chris

Coluna da Chris: A Julia Gabriele que há em Nós

 

Quando se junta na mesma frase as palavras aparência física e autoestima, eu sempre penso em pessoas adultas, principalmente mulheres. Porque as mulheres adultas são vulneráveis demais a tudo que os outros pensam a respeito de sua aparência. Isso nasce em alguma época, por algum motivo. Mocinhas querem parecer bonitas, tanto para os meninos quanto para outras meninas e, principalmente, mocinhas e mocinhos querem se parecer com outras mocinhas e mocinhos. Daí a gente aceita quando dizem para a gente que ser bonita é ser magra, alta, ter os cabelos lisos e por aí vai. E muita gente carrega isso pro resto da vida, mas não é por aí que vai a conversa. A conversa de hoje fica mesmo em pessoas de 11 anos, aliás, uma pessoa específica de 11 anos de idade.

Essa menina se chama Julia Gabriele. Como tantas outras crianças, a Julia Gabriele conseguiu autorização dos pais para fazer um perfil no facebook, onde postava suas fotos e as fotos dos seus ídolos adolescentes. Coisa do tipo Rebeldes. Então, um dia, um sujeito qualquer viu a foto do perfil da Julia Gabriele e achou muito engraçada. Isso porque a Julia, essa menina de apenas 11 anos, tem sobrancelhas bastante bastas, que se juntam. Este sujeito, que até pode ser um menino da mesma idade da Julia, não reparou nos olhos expressivos da menina, em como um mundo inteiro pode ser vislumbrado dentro daquele olhar. Não notou também que ela tem lindos cabelos compridos. O que lhe chamou a atenção foi o fato de ela ter sobrancelhas unidas e uma leve penugem sobre o lábio superior.

Foi o que bastou para que a foto fosse parar numa dessas páginas de trollagem. E a partir daí já não há desculpas para ninguém, porque o assédio foi tamanho que a coisa incomodou não só a Julia Gabriele, mas também os pais da menina que, dizem, procuraram a delegacia para tentar descobrir como evitar que a imagem da filha continue exposta dessa forma. Descobriram o seu perfil no facebook e passaram a enviar fotos e mais fotos de cortadores de grama. Pessoas de todas as idades – e com todo tipo de aparência física – perderam seu tempo ofendendo a menina. Ofenderam, alegaram alguns, porque ela não tirava os pelos com uma pinça, e isso é inaceitável. Outros disseram que ofenderam simplesmente porque lugar de criança não é no facebook. Já outros foram mais honestos: ofenderam porque acharam engraçado, azardelasenãogostou.

O perfil da Julia no facebook sumiu rapidamente, não sei se apagado ou se mudaram para privado. Logo surgiu um twitter em seu nome – não há qualquer garantia que tenha sido criado por ela – em que foi postada a seguinte frase: “eh muito ruim ver pessoas zombando de vc , so pq vc nao agrada elas por ser quem vc eh” (sic). E essa frase, essa frase detém tanta verdade que é chocante imaginá-la saindo da imaginação de uma menina de apenas 11 anos. É muito ruim ser transformada em alvo de zombaria apenas por ser quem você é. A Julia, como tantas outras meninas, mulheres, pessoas, não foi atrás de ninguém pedir que gostassem dela, que a aceitassem. O erro dela foi apenas ser o que é, e não se esconder.

Quando eu tinha 11 anos, eu era uma criança na mais completa acepção da palavra. Absolutamente infantil, inocente, bobinha a ponto de ser chamada de “criancinha” por outros que não eram mais velhos do que eu. Eu não era aceita em todas as rodinhas, e até algumas meninas que eram “amiguinhas” na hora de fazer lição junto ou visitar a minha casa me tratavam mal na escola, porque não pegava bem ficar perto de uma garota tão infantil. Mas eu sobrevivi, e sem grandes arranhões. Primeiro, porque eu era uma menina inteligente, apesar da inocência (embora ainda hoje me pareça estranho ver a inocência como fator de detração para quem tem apenas 11 anos). E segundo porque, na minha época, as batalhas eram campais, mas você via seu inimigo. Ele estava nos corredores da escola, ao seu lado da sala de aula. Eles tinham mais ou menos a sua idade, e você podia olhar nos olhos deles enquanto eles riam da sua aparência ou do seu jeito de criança.

O que eu espero é que a Julia Gabriele aprenda muito cedo o que é autoestima. E que, apesar de ser muito cedo para ter que encontrar tanta força, ela saiba que não tem qualquer obrigação de tirar seus pelos com pinça apenas porque os outros acham que é isso que ela deve fazer. Eu desejo do fundo do meu coração que ela sinta tudo aquilo que foi dito no tal twitter em nome dela: que ela não vai mudar apenas para agradar os outros, mas sim quando ELA quiser (não sou capim para agradar vaca, é o que está dito) e que sabe que não deve derramar mais nenhuma lágrima pelas pessoas que lhe fizeram tão mal.

Lembra da história de que nunca é tarde demais para descobrir o que é autoestima e como mantê-la em alta? Então. Com a Julia Gabriele eu aprendi também que nunca é cedo demais. Que pena.

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