Ah, as gordinhas… sempre tão alegres, amigáveis, de bem com a vida. Pessoas de quem se espera um sorriso, um carinho, uma palavra estimulante. Pessoas que são capazes de te achar linda até quando você se sente horrível. Quem come o que quer, é feliz, certo? Deve ser daí que vem tanto ânimo, alegria, tanta boa vontade!!!
Sim, eu concordo que são coisas boas e bonitas para se dizer a respeito de alguém, mas atenção: a respeito de alguém, e não de um grupo imenso de pessoas que tem determinada aparência ou característica física. A partir do momento que aceitarmos que todas as gordinhas são isso ou aquilo, teremos que comprar as idéias equivocadas sobre loiras (e sua inteligência), modelos (anoréxicas!) e gostosudas (fácil, extremamente fácil).
Afinal de contas, por que é que mulheres gordas seriam menos suscetíveis às segundas-feiras, às flutuações hormonais, ao IPVA, a programação da TV, o humor do chefe, enfim, tudo aquilo que irrita os mortais? A possível resposta é de que as gordinhas querem – precisam – agradar.
E daí a gente chega de novo na história da autoestima. Porque só uma pessoa muito insegura sentiria essa necessidade premente de agradar todo mundo a todo momento. Talvez isso até já tenha sido verdade, ou talvez seja uma verdade que atinge as mulheres voluptuosas em determinada altura da vida, antes que elas descubram o verdadeiro poder das curvas saborosamente contidas por um bom par de jeans… mas vamos em frente.
Gordinhas, por vezes, encontram algumas dificuldades que não são comuns a todas as pessoas, porque o mundo é padronizado para pessoas menores e mais estreitas. Poltronas de cinema, catracas de ônibus, alguns banheiros públicos, cadeiras de plástico, meias de nylon, os provadores de algumas lojas, os aviões, os carros super-compactos, os bancos dos bares… Obstáculos diários que muitas vezes colocam pessoas gordas em situações verdadeiramente ridículas e vexatórias. Pensando nisso tudo, é de se imaginar que manter esse bom humor inabalável seja humanamente impossível.
Num exercício criativo, vamos imaginar um dia comum na vida de uma mulher gorda. Depois de preparar o café da manhã, contando todas as calorias que vai consumir, esta mulher vai se enfiar num ônibus lotado, espremendo-se para superar a catraca. Alguns hematomas podem surgir desse esforço. Um office-boy olha com ironia quando ela o aperta para conseguir avançar pelo corredor.
Ela corre para o trabalho, onde passa o dia se equilibrando numa cadeira com braços – braços que apertam seus quadris. Na hora do almoço, mais calorias contadas e uma corrida a uma loja para comprar um bom sutiã. Depois de experimentar duas dúzias de modelos, ela vai comprar um que tem o bojo maior do que deveria, mas que fecha nas costas com a ajuda de um extensor.
Então ela volta para o escritório, telefona para o laboratório para marcar um exame que vem adiando há semanas. A telefonista pergunta docemente qual a altura e o peso. Desanimada, ela mente um pouquinho, como se dez quilos a menos a fizessem parecer realmente menos fora do padrão, ao menos por telefone. Mas o dia calorento chega ao fim, e ela finalmente pode sair para o happy hour com as amigas. Ao chegar no bar, as cadeiras de plástico se enfileiram, ameaçadoras. Aquelas cadeiras quebram, sempre quebram. Se uma pessoa magrinha tiver esse azar, é porque a cadeira não presta. Se, no entanto, a cadeira quebrar embaixo de uma gordinha, então bem… coitada da cadeira.
Neste ponto, eu só posso dizer que se você conhecer alguma mulher que tenha passado por esse dia inteiro, por vários dias como esse, e que não tenha frequentemente momentos de fúria, de mau humor, de cara feia para a vendedora/garçonete/balconista/chefe/passageiros do ônibus, então guarde essa mulher para você. Contrate-a, case com ela ou faça qualquer coisa para mantê-la ao seu lado, não porque ela é uma das tão afamadas gordinhas afáveis, mas porque ela é, na verdade, algum tipo de santa cheia de luz e paciência. E não há muitas santas de carne e osso andando por aí…