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Coluna da Chris

Coluna da Chris: O Freio de Cintura

 

Uma empresa britânica promete: a melhor maneira de emagrecer – ou ao menos parar de engrossar – é usar uma correntinha na cintura. Chamado “Malory Band”, o acessório teria sido inspirado nas mulheres do antigo Egito, que usavam dispositivo semelhante para manter a cinturinha de pilão.

As “10 razões para comprar uma Malory Band”, segundo o site do fabricante, são certamente cativantes. Em primeiro lugar, a gente não precisaria mais enfrentar a balança. Só quem é gordo sabe o quanto a balança pode ser um objeto invejoso, cheio de rancor e que mente descaradamente, indicando quilos a mais quando a gente tem certeza certíssima de que a calça está mais larga. E nem adianta dizer que a roupa laceia. Roupas que laceiam não se aplicam à mente gorda.

Além disso, dizem eles, a corrente é honesta e nunca vai te enganar. Você vai ver dia a dia o quanto vai poder diminuir (ou aumentar, embora isso não seja mencionado em momento nenhum) a regulagem da correntinha. E isso vai te impedir de ficar maior do que é hoje. E tudo isso usando um acessório bonito, fácil de ajustar e que ninguém nunca descobrir que você está usando (é, não entendi bem porque mencionar que é bonito, se ninguém vai perceber estou usando).

E essa, para mim, é a melhor de todas: você pode comer o que quiser, quando quiser, desde que cuide da quantidade! Simples assim! Em vez de tomar um prato cheio de sopa de legumes, por exemplo, você pode comer uma barra de chocolate, que ocupa menos lugar no seu estômago, e logo não vai estufar e apertar a correntinha! Genial.

Azar seu se ficar com fome em seguida, a correntinha ensina o preço das suas escolhas. Deixemos de lado detalhes como a nutrição e a qualidade do que se come, o objetivo aqui é ter cintura fina e não necessariamente saúde. Pensando bem, não é um conceito assim tão raro…

A verdade é que acho graça na tal correntinha. A primeira coisa que me vem à cabeça é a Suellen, da Avenida Brasil. Também não acho que faça mal algum, e imagino que algumas alminhas disciplinadas possam de fato se favorecer do uso do artefato, que funcionaria mais ou menos como um freio.

Um freio que, para mim, não teria grande vantagem. Posso me ver enganando o freio sem qualquer pudor ou culpa, deslizando sorrateiramente o botão para poder comer um pouco mais sem constrangimentos. Além disso, já tenho problemas suficientes com cintos que se enrolam a cada vez que eu sento ou levanto. Ah, o cós da calça também tem esse comportamento desagradável de rolar e enrolar com vida própria, obrigando-me a charmosamente puxar as calças toda vez que levanto da cadeira. Não foram poucos passantes de cinto que eu quebrei nessas manobras.

De qualquer forma, fica a dica. A correntinha pode ser adquirida pela internet por singelos 78 reais, mais o frete. Vem da Inglaterra e é resistente à água. Ou, é claro, você pode adquirir uma legítima corrente Suellen nas boas casas do ramo da Rua 25 de março.

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Coluna a Chris: Deu na Mídia

 

Eu reconheço que me surpreendo, muitas e muitas vezes, quando percebo que, de fato, existe todo um “mundo gordo” organizado, proativo, contestador e quase desconhecido para a maioria das pessoas.

Não é que eu faça parte deste mundo, quero dizer: sou gorda, mas não sou ativista. As minhas ações resumem-se a reclamar dos preconceitos, a repudiar os mitos, a defender o direito de ser aquilo que quero ser e a alardear que gente bonita é bonita independente do peso. Tudo isso em meu próprio nome, pela minha própria causa, uma mulher que cansou de se sentir feia e inadequada unicamente porque outros dizem que ser gorda é feio e inadequado.

Ver imagens de mulheres gordas bonitas e confiantes em fotos bem produzidas me faz bem. Quebra um pouco o impacto do que a mídia convencional joga na nossa frente todos os dias como únicos exemplos possíveis de beleza feminina: magras, jovens, atléticas. E é para isso – ver fotos de divas gorduchas com sua sensualidade à toda prova – que eu “curto” algumas páginas no facebook. E estas páginas, além de fotos, trazem também informações desta grande comunidade virtual que eu chamo de “mundo gordo”.

Foi numa destas páginas que eu descobri que existia uma marca chamada Abercrombie & Fitch (sim, fashionistas de plantão, creiam-me, eu nunca tinha tomado ciência da existência deste nome), e que o CEO desta empresa muitíssimo bem sucedida, Mike Jeffries, teria dito, numa entrevista em 2006, que não fazia roupas de tamanhos grandes porque não queria que seus consumidores vissem pessoas não tão atraentes usando as mesmas roupas que eles. “É por isso que a gente contrata gente bonita nas nossas lojas. Porque gente bonita atrai gente bonita e nós queremos nos direcionar a pessoas legais e bonitas”.

A entrevista, embora antiga, suscitou muitas reações, desde ataques à própria aparência de Mike Jeffries a um Tumblr que mostra o resultado do protesto de um brasileiro que se dedica a captar doações de roupas da marca e distribuir entre moradores de rua. Mas a reação mais legal veio de uma modelo plus size chamada Jes, que fez um ensaio fotográfico maravilhoso ao lado de um modelo masculino não menos maravilhoso, com um texto que também achei… hmmm… maravilhoso. Esse ensaio.

Na sexta-feira, Mike Jeffries usou o facebook oficial da marca para publicar uma declaração sobre toda a polêmica. Em resumo, ele alega que a Abercrombie, como qualquer outra empresa, é voltada para um segmento X de consumidores e que ele é contra qualquer tipo de discriminação, bullying, caracterizações depreciativas ou outros comportamentos menos nobres com base na raça, sexo ou tipo de corpo. Diz, ainda, que os trechos da entrevista concedida em 2006 ao site Salon foram apresentados fora de contexto, e que isso gerou toda a confusão.

Honestamente? Ele que faça as roupas que quiser fazer. Feio é dizer que não quer que seus clientes com aparência X vejam pessoas com aparência X + usando as mesmas roupas porque isso não lhes daria a exata medida de quanto são “diferenciados”. Gente cool é cool independente da aparência dos outros, ou assim deveria ser. Finalmente, o Mike, aparentemente, nunca fez parte do grupo que ele mesmo chama de “cool kids”, quer dizer: talvez seja uma compensação por algum trauma juvenil… mas isso já é impressão minha.

A outra notícia que causou algum rebuliço foi o fato de a modelo brasileira plus size Fluvia Lacerda ter publicado umas fotinhas na sua fan page exibindo uma barriguinha que passou por algumas modificações. Uma barriguinha antes já linda, na medida certa para quem gosta de sustância.

Algumas das muitas fãs da Fluvia – considerada a Gisele das modelos plus – não gostaram. Se sentiram traídas, porque acharam que ela está emagrecendo demais. De novo, muita gente falou sobre o assunto, e de forma bastante contundente. A modelo foi se justificar, explicou que não é por ser modelo plus size que ela não tenha exigências quanto ao seu corpo. Que não faz apologia da obesidade e não apoia o sedentarismo. Sua preocupação é a saúde.

Bom, neste caso, eu só posso acreditar que, feliz ou infelizmente, as modelos acabam sendo mesmo “modelos”, no sentido mais amplo, para algumas mulheres, notavelmente as mais jovens. Para estas meninas, é importante sentirem-se representadas. As reações apaixonadas fazem parte da vida de quem se torna referência. Só não pode faltar respeito, mas questionamentos existirão. E se ela realmente tiver mudado o corpo – maravilhoso – dela, então ela terá mudado todo o conceito de “aceitação” para todas as meninas que se reconheciam nela, se aceitavam melhor por causa dela. Se a Gisele Bündchen amanhã engordasse uns 15 quilos, com saúde, temo que as reações fossem ainda piores… porque ser modelo é vender uma aparência, e isso vale para todas.

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Coluna da Chris: Internet, esse Tribunal

 

Pouca coisa pode ser tão cansativa, irritante e improdutiva quanto ler comentários deixados por leitores em sites de notícias da internet. Há todo tipo de gente comentando ali, gente que vem de lugares diferentes, alguns estudados, outros nem tanto, alguns obviamente sérios e comprometidos com o que dizem, e outros que parecem apenas se divertir em chocar, provocar, instigar. Em comum, todos tem a maior conquista que a internet proporciona a seus usuários: o anonimato.

Antigamente, quando a gente lia jornal de papel, a gente podia mandar cartas comentando matérias, opinando sobre assuntos. Mas as cartas tinham que ser enviadas por correio e conter, obrigatoriamente, nome completo, endereço, telefone, número da identidade. Umas poucas eram escolhidas e publicadas, normalmente as bem escritas, com argumentos válidos, estruturados, coerentes, fossem para o bem ou para o mal. As pessoas de fato tinham responsabilidade sobre o que diziam, porque seus nomes inteiros apareceriam ali. Era difícil fazer graça com um assunto sério, era difícil ser publicado se o conteúdo do texto fosse leviano, preconceituoso, tolo.

E é nesta lama que de vez em quando eu mergulho. Não é por masoquismo, não é por diversão, mas sim porque, às vezes, tenho um daqueles ataques de devolver uma concha ao mar. Não vou conseguir salvar todas, mas fazer a minha parte (mentira: vou apenas me desgastar. Minhas opiniões são muitas vezes ridicularizadas por gente que sequer é capaz de escrever direito). Talvez eu queira entender. Não sei bem. É sempre uma desilusão, mas ainda continuo lendo comentários.

Enfim. Semana passada, uma mulher de 48 anos morreu após se submeter a seis cirurgias plásticas simultâneas em uma clínica na capital paulista. Ela implantou silicone nos seios, retirou bolsas de pele das pálpebras e lipoaspirou barriga, braços, pernas e costas. Pagou R$ 20.000,00, em 10 parcelas por tudo isso. Morreu alguns dias depois, por conta de uma hemorragia. Segundo uma amiga, ela se sentia descontente com seu corpo por estar acima do peso.

Que tipo de pessoa, ao ler uma matéria como essa, tem o ímpeto irreprimível de criticar a conduta da falecida? Depende. Se garantido o anonimato, eu diria que 90% das pessoas. Como nome real impresso, eu já não saberia dizer. O fato é que nesta matéria, como em várias, váááárias semelhantes, as pessoas são inclementes com quem morreu e obviamente não está mais aqui para defender, explicar, justificar a sua decisão de se submeter a tantas cirurgias.

A impressão que se tem, ao ler tudo que é comentado, é que o raciocínio é mais ou menos o seguinte: sim, ela tinha toda razão para não gostar de ser gorda, porque ninguém pode gostar de ser gorda. E, claro, ela tinha que tomar uma providência. Se essa providência, no entanto, for a cirurgia, isso deixa claro que ela era preguiçosa. Se ela não fosse preguiçosa, iria fazer exercícios. E outra, quem quer ser magro não tem que operar, tem é que fechar a boca. Porque as pessoas gordas comem demais. E não se exercitam. Glutonas. Preguiçosas.

Quer dizer, o anonimato permite que alguns não apenas condenem a aparência alheia, como também a maneira que as pessoas encontram para mudar a aparência. Na minha cabeça, tudo se mistura. Eu sei que podem nem ser as mesmas pessoas, mas a gente lê num lado alguém falando mal da atriz X que apareceu gorda na novela, como se ela não tivesse direito de engordar. Dois cliques adiante, lê na notícia da morte desta mulher um comentário estúpido como “morreu pela vaidade, tenho pena”. Afinal de contas, comentaristas da internet são também uma amostra da sociedade. A mesma sociedade que não quer te ver gorda exige que você seja magra através do sacrifício – privações, exercícios intensos – e nunca por caminhos “fáceis” como remédios ou cirurgias. Qualé???

Nunca saberemos mas talvez, apenas talvez, se essa mulher de 48 anos tivesse ouvido de todo mundo que a cercava, a mídia inclusive, que ela era linda exatamente do jeito que era, ela hoje estivesse por aqui. Funciona com algumas, não tão bem com outras. Meu sonho é ver nascer o dia em que toda mulher vai se sentir muito bem com seu corpo. E não vou perder a oportunidade de dizer, mais uma vez, que você é linda exatamente do jeito que você é. Eu tenho a mais plena certeza disso.

Coluna da Chris

Coluna da Chris: Vê se fala direito comigo, viu!

 

Então, semana passada eu falei sobre variar os temas e daí me aconteceu algo que eu acho que até dá para a gente ver como uma espécie de desafio à autoestima. Como mulher, como pessoa, como profissional.

Eu trabalho num escritório que fica num prédio de 12 andares. São pequenos conjuntos, quatro por andar, e nós estamos justamente no último. Fomos os primeiros a chegar aqui,há 20 anos. O plural quer dizer meu chefe, o legítimo dono e senhor, e eu, a secretária.

Então o nosso ar condicionado quebrou há coisa de um mês. É um daqueles aparelhos enormes, que tem duas unidades, uma na escadaria de serviço, outra no forro do conjunto. Quer dizer, não é tarefa fácil trocar uma geringonça dessas, e inevitavelmente haverá algum barulho, alguma sujeira, alguma bagunça.

Foram precisos cinco dias para concluir o serviço, e mais algumas noites. Isso porque em prédio comercial só se pode fazer reformas depois das 19:00h e aos sábados. Durante todo esse trabalho, eu só estava presente no último dia. Fiquei sabendo que foram avisados duas ou três vezes que deveriam parar com o barulho, e que atenderam às solicitações.

Neste último dia, uma segunda-feira, todo mundo já nervoso e irritado (menos eu), os meninos disseram que, para conseguir terminar, precisariam dar 6 ou 7 marteladas e mudar o ângulo de um cano. Eu autorizei, porque considerei que 6 ou 7 marteladas não seriam assim tão incômodas, e já estávamos na fase de “se não terminarem hoje, não vou deixar que voltem amanhã”. Martela aí, nego.

Foram mesmo 6 ou 7 marteladas. E 1 porrada na porta. Abri, e um homem que eu nunca tinha visto antes gritou, com o dedo em riste: VOU MANDAR UMA MULTA!
– Ah, sim?
– SIM!
– Ok. Eu posso pelo menos saber quem é o senhor?
– O SÍNDICO!
Tim Maia, valei-me. Porque ele apenas gritou, o tempo todo em que esteve parado ali na porta. Sobre o regulamento interno, e sobre o barulho, e sobre a multa, a multa, a multa. Tinha ao seu lado uma testemunha que me disse que era preciso haver “governança corporativa”. Ora, eu sou secretária, mas sou formada em Administração de Empresas. Palavras difíceis – e completamente deslocadas – não tem qualquer poder sobre a minha pessoa.

Resumindo a história, eu fiquei indignada, bem como o vizinho de porta, que ouviu tudo e contou para todos os funcionários do prédio. Meu chefe, em apoio, fez uma carta ao condomínio, mencionando a civilidade do uso da campainha, a temeridade de gritar com alguém antes de se apresentar (poderia ser confundido com um bandido) e a mal sucedida aula de erudição que foi falar em governança corporativa numa questão que envolve o vizinho de cima (que não tem qualquer ligação corporativa com o vizinho de baixo) desferindo marteladas em horário proibido.

E então o Síndico escreve uma carta, coloca num envelope com as ordens expressas de que só fosse entregue nas mãos do proprietário do conjunto. E diz, nesta carta, que não houve aula de erudição, porque não teria sido entendida (por mim). Que ele gentilmente pediu que eu parasse com o barulho, que perguntou quem eu era, e se era a proprietária, que argumentou que já era a quarta vez que falava comigo a respeito e que, finalmente, eu tinha dito que pararia o barulho e aguardaria a multa.

Um verdadeiro jogo dos 7 erros. Primeiro, por tentar intimidar uma mulher, subalterna (que até então ele sequer sabia se era dona ou empregada) através da gritaria e do dedo no rosto. Segundo, por explicitamente desconfiar da minha idoneidade ao exigir a entrega da carta em mãos. Terceiro, por considerar, apenas olhando para mim uma única vez, que eu seria incapaz de compreender “aulas de erudição”. Quarto, por ignorar que testemunhos desinteressados desdizem a sua versão da história. Quinto por acreditar que ameaças monetárias assustam as pessoas. Sexto por defender seu direito a esmurrar as portas sem ser anunciado. E sétimo, o mais ingênuo de todos, por imaginar que eu tenha sequer pensado em parar o barulho. Àquela altura, depois da demonstração de macheza do rapaz, o que fiz foi fechar a porta e dizer aos trabalhadores: se tiverem que bater mais, batam, mas batam com vontade! Pena que eles já não tinham mais nada para bater…

É claro que eu, por minha conta, assumi o risco de levar uma multa. E claro que sabia até onde podia ir com o meu chefe, pois foi ele quem pagou a dita multa. Eu concordei com a multa justamente por saber que ela poderia acontecer. O inaceitável não foi receber a multa – e pagá-la até antes do vencimento – mas sim a maneira como o sujeito acreditou que poderia falar comigo.

Se ele foi movido por machismo, por preconceito ou por simples grosseria eu não sei dizer, justamente porque não o conheço. Não dá para a gente deduzir tanto de uma pessoa num único diálogo hostil. Por outro lado, achei interessante a maneira como ele afirmou, na sua cartinha cheia de erros, que eu tinha mentido e que seria incapaz de compreender o que quer que fosse que eles tivessem a dizer, seja sobre administração de empresas, futebol ou o ciclo de vida dos pintassilgos venezuelanos.

Sem radicalismos, mas é neste tipo de situação que eu questiono a nossa sociedade. Porque enquanto houver gente disposta a tratar alguém, seja por causa do gênero, da profissão ou da aparência, dessa maneira indigna, é sinal de que a gente ainda não evoluiu o suficiente. Eu aposto 10 contra 1 que a conversa teria sido completamente diferente se quem tivesse atendido à porta fosse o meu chefe, e não eu. Não haveria gritaria, não haveria arrogância ou ameaças.

Tenho muitas teorias a respeito de homens que gritam, homens que dão porrada em portas e paredes, homens que demonstram esse pouco sutil desprezo por outras pessoas. Mas nem vem ao caso. Importante mesmo é dizer que nada do que ele e outros como ele façam ou digam tem o poder de mudar minha segurança ou a imagem que eu tenho de mim mesma, construída com muito afinco. E ainda por cima sei o que é governança corporativa… tô podendo!

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