Blogs

Carta para a Vivi de Dez Anos Atrás

 

Este post faz parte da blogagem coletiva do Rotaroots, um grupo de blogueiros saudosistas que resgata a velha e verdadeira paixão por manter seus diários virtuais.


Querida Vivi,

Saudações do futuro! Agora que você encontrou essa carta, casualmente enviada de 2014 diretamente para suas mãos, há uma ou outra coisa deste tempo que imagino que você ficará feliz em saber.

Sei que você é, sempre foi – e afirmo, será – curiosa; apesar dessa sensação (e cara) eterna de déjà vu que te acompanha desde os 15 anos. É só pose, que eu te sei bem. O mundo e as pessoas sempre te espantarão, para o bem e para o mal. Mas você gosta, não é mesmo?

Sinto dizer que 2014 não cumpriu com o que prometiam os Jetsons. Bem que estávamos desconfiadas, depois daquele fiasco que foi a virada do milênio. Assim como não teve bug em 2000, quatorze anos depois e cá estamos, nada de mobilidade sem rodas (pra falar a verdade, até mesmo com rodas está bem difícil se locomover do ponto A até o B); nada de apertar botões para que o café da manhã seja servido e, principalmente, juventude refilável nem pensar, mas aquele papo de que o que importa é manter o espírito jovem continua valendo, tá?

Fora isso, tudo continua old school, com as pessoas nascendo e adultecendo com todo o drama e circunstância que conhecemos desde a invenção da roda. A única diferença é que, como você já sabe, a comida está embalada a vácuo no supermercado e não precisamos correr atrás dela com uma clava para garantir nossa sobrevivência. Sim, eu sei que nesse momento estou falando com uma Vivi anterior à Antiguidade, considere uma homenagem a nossa linhagem de verborrágicas incorrigíveis.

Uma novidade nesse sentido? Temos pílulas para tudo; pra substituir as frutas e legumes; pra crescer cabelo; pra melhorar a pele; pra lembrar; pra esquecer; pra proteger do sol; pro cabelo não ficar branco. Pra ficar muito feliz; pra diminuir a felicidade excessiva provocada pelas outras pílulas. E adivinha só? Apesar de tudo isso, continuamos tão vulneráveis à gripe como eram nossas bisavós.

Tem uma outra coisa que está dominando a Humanidade: whey protein. Você já conhece, mas não imagina a que ponto chegou seu plano de dominação mundial. Ela conseguiu, Vivi. Nem os chineses, nem os americanos, quem dominou o mundo foi a proteína isolada do leite. Aqui em 2014 ela está presente em todas as conversas e pautas e fotos. Bundas inteiras são construídas em seu (com seu?) nome. Oh, desculpe se parece inapropriado falar em bundas nessa conversa futurística. É que é meio inevitável o assunto, uma coisa que você realmente precisa saber: no futuro é muito importante que você cultive sua bunda. Tronos – sem trocadilho – são dedicados a quem consegue a muito custo desenvolver e turbinar os glúteos. É praticamente uma carreira a seguir, tornar-se um calipígio e mostrar como chegar a isso, em infindáveis tutoriais. Aliás, guarde bem essa palavra, tutorial, ela será imprescindível no futuro. Alguém sempre estará disposto a dizer aos outros como fazer. Tudo. Tu-do.

Quase me esqueço, não se preocupe em ficar guardando informações nessa cabeça. Você não tem ideia de como será infinitamente mais fácil apenas consultar o Google. Digite lá na Busca: “tutorial para” e, um Enter depois, todas as suas dúvidas estarão sanadas. Se as informações são confiáveis? Ora, Viviane, de uma vez por todas, pare com isso de questionar o senso comum. O Google é a verdade e se não está lá, praticamente não importa, não existe, não interessa. Anote isso aí, porque você vai ter dificuldade em aceitar essa parte.

Me lembro de você sempre se achando o guarda-chuva vermelho na multidão de sombrinhas pretas. Não vou te iludir, isso não vai mudar. Minto. Uma coisa vai mudar, você vai gostar mais de ser colorida, já que ano após ano será cada vez mais difícil se sobressair no mar de sombrinhas. A sociedade em geral, aqui e no mundo todo, de alguma maneira encantada, decidiu nivelar todas as questões em patamar bem acessível. Baixo. Tão acessível que chegou ao solo. O que eu quero te dizer, e estou tentando falar com jeito, é que, em 2014, pouca coisa importa. Mesmo quando está muito ruim, as sombrinhas preferem achar que ainda assim está bom, que podia ser pior de alguma maneira. E é pior de várias maneiras, mas não pensar muito nas coisas alivia pro lado da multidão, sabe? E ela prefere assim. Você vai sofrer um pouquinho fazendo de conta que aprendeu a surfar na superfície, mas com algum esforço vai encontrar uma ou outra capa de chuva estampada pra falar sobre tudo isso e simplesmente seguir em frente. Sabe qual será o agente facilitador nesse caso? Blog, uma coisa que você já conhece, mas que vai se reinventar completamente, a ponto de se tornar veículo de comunicação. Tá chocada? Tô contando só a pontinha do iceberg, queri.

Outra coisa muito importante nesse processo: o tempo (e terapia) fará maravilhas por você. Coisas que jamais imaginou que teria, como a capacidade de deixar pra lá, vão te permitir ser você mesma, mesmo quando tudo mais insistir que o correto é a direção contrária. Não tem fórmula mágica, esse é um presente que o cotidiano vai te entregar, como um colar que é construído elo a elo. Quando você menos esperar, será muito mais fácil e agradável ser você. No fundo, Vivi, a grande verdade é essencialmente essa: o tempo passa e nada muda, só nosso jeito de encarar as coisas. Isso parece ruim? Não se preocupe, você vai achar muito bom.

P.S.: a-quan-ti-da-de de produtos de beleza disponíveis é inacreditável. Você vai ficar louca. Literalmente, eu quero dizer. Loucona mesmo.

6 comentários

  1. Gisele disse:

    Ah, Vivi…

    Sendo sincera? Pouca vezes entro em um blog e leio. Cheguei a um ponto que fico com minha caixa lotada, apago os mais antigos e penso, “depois”! Em geral, só passo os olhos pelas páginas não leios os posts, só olho o titulo e as fotos, um resumo do resumo. Não que não me interesse… mas ainda não consegui chegar no ponto de “deixar pra lá” e me dar o direito de fazer algo agradável pra mim, do

    [Reply]

    Vivi Reply:

    Gi, sobre os blogs, eu acho que esse momento atual não é legal, está looonge de ser bacana como já foi. Mas tenho esperança de que seja só uma fase – bem chata – repetitiva. Estou em uma fase onde decidi parar de me cobrar tanto só pra estar presente. Ou faço por gosto ou não faço. E fico super feliz por ter a companhia fiel de várias pessoas que, de uma forma ou outra, sempre estão me acompanhando, seja aqui ou no FB ou no Insta. É um retorno verdadeiro, que pode até não ser interessante “pro mercado”, mas é importante pra mim, tanto em termos de Comunicação como pessoa.
    Bjo!

    [Reply]

  2. Gisele disse:

    Agora sim, o comentário completo…

    Sendo sincera? Pouca vezes entro em um blog e leio. Cheguei a um ponto que fico com minha caixa lotada, apago os mais antigos e penso, “Depois”! Em geral, só passo os olhos pelas páginas não leio os posts, só olho o título e as fotos, um resumo do resumo. Não que não me interesse… mas ainda não consegui chegar no seu ponto de “deixar pra lá” e me dar o direito de fazer algo agradável pra mim, do que correr pra cumprir mais um prazo no trabalho, que no fundo não liga pra prazos e não valoriza de fato seus funcionários. Coisas do serviço público.

    O fato é que sua “carta” me pegou e de jeito. Gosto muito dos seus posts “verborrágicos”, “filosóficos”, por que você sempre vai no cerne da questão. Parando pra pensar, eu vejo muitos blogs que acompanhava perdendo ritmo e suas autoras chegando a conclusão de que já deu e ter um blog pra ser mais do mesmo, para elas, não vale a pena. Entendo e respeito. Mas lamento, pois em geral esses blog são de pessoas verborrágicas, que fazem muito mais do que uma resenha aqui, uma cobertura de evento ali… E em geral elas param principalmente por que o blog era pra ser um espaço de interação, mas não há comentários. Então, escrever pra quem?

    E é engraçado por que eu acabo não lendo e só passando os olhos por vários blog, porque não há nada de interessante pra ler… Um milhão de resenhas sobre o mesmo produto, um milhão de tutoriais sobre o mesmo assunto. Acho super válido para quem está começando nesse mundinho de se embelezar agora, mas pra mim já deu. Uma olhada rápida no face ou instagram e eu já sei as novidades, já sei se aquilo me interessa ou não. Não sinto necessidade de ler que o produto faz A ou B.

    Eu me sinto pretensiosa, às vezes, mas também me vejo como um guarda chuva de cor diferente dos cinzentos que estão por aí… Mas ao menos uma coisa acho que posso me “gabar”: não tenho nas minhas “leituras” ninguém que fale de whey protein ou que ensine o passo a passo para construir o que quer seja perfeito. Tem sim alguns blogs de beleza de uma forma geral que se glamorizaram bastante, e que no fim me servem como um descanso breve para os olhos ou talvez uma inspiração.

    O que eu fico caraminholando é que nossa, tenho tanta coisa na cabeça, tanta preocupação! Cuidar da saúde, da coluna, do casamento, das amigas, dos relacionamentos, do trabalho, não pirar neste processo, que sinto falta desse tipo de post/carta que você fez hoje. Dessa conversa sobre para onde estamos indo… De momento de parar um pouco e observar o mundo ao seu redor e suspirar profundamente. Seja para recuperar o fôlego ou seja para concluir que alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial… E muitas vezes tenho a impressão de que essa alguma coisa sou eu!

    Minha terapeuta me diz que tenho a sensibilidade muito aguçada, que lhe dou muito mal com falhas, com erros, com a falta do outro, coisas tão própria da condição humana… Quando eu vejo, repetidas vezes, que o outro não muda, que o mundo não funciona de acordo com a minha visão do certo e errado e que quem tem que mudar sou eu, não consigo me deixar de sentir como a estranha dessa estória toda. E de que talvez o problema seja eu. Eu talvez tenha que me adaptar a realidade do outro, eu que devo me tornar um guarda chuva cinzento.

    Mas aí vem esse post seu e ufa! Vem o momento do suspiro e esse é parar recuperar o fôlego. Ainda bem, por que tem horas que parece que precisamos recuperar o fôlego a cada passo. Não sou uma leitora assídua como já disse antes, mas esses posts saudosistas fazem o meu dia e no fim dessa verborragia toda, tudo que eu quero dizer é: obrigada por você existir. Obrigada por ter escrito esse post…

    [Reply]

    Vivi Reply:

    @Gisele,

    Eu só posso agradecer, Gisele. Que bom que você voltou pra finalizar o comentário. Me identifiquei demais, não tem motivação melhor do que essa.
    Tá vendo, as sombrinhas coloridas estão mais perto do que a gente imagina.
    Beijo!

    [Reply]

  3. Chorei e ri ao mesmo tempo… era tão bom acreditar que no futuro, iriamos andar em “carros” voadores com os Jetsons.
    Acharia mais normal do que construir glúteos com Whey…

    Beijos.

    Adorei.

    [Reply]

    Vivi Reply:

    Lembra que, naquele futuro que prometiam pra gente, tudo era prateado? Cadê, ca-dê? rs
    Beijo!!!

    [Reply]

Deixe um comentário :D