Vocês já devem ter ouvido falar da Dona Evani, de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Se não ouviram, conto um pedacinho da história.
A Dona Evani é aposentada, tem 63 anos e no dia 1º de outubro resolveu dar umas bandas por aí. Pegou o carro – um Palio vermelho totalmente quitado e no nome dela – e partiu rumo a aventura. Deixou um bilhete para o filhão, o Vinícius, que mesmo assim não se convenceu. Esperou uma semana e foi, então, à delegacia da cidade registrar queixa do desaparecimento da mãe.
Uma rádio da cidade publicou em seu site uma nota sobre o caso. Contava tudo isso que eu falei aí em cima, acrescentando que a Dona Evani tinha levado umas mudas de roupa e o “carro da família”. Aí é que começa a parte engraçada.
A Dona Evani, usando seu perfil no facebook e muitas letras maiúsculas, foi lá no site comentar a notícia do tal desaparecimento. Indignada, dizia que não estava desaparecida coisa nenhuma. E mais: o carro não é da família, é dela. E que as contas estavam todas pagas. Disse que tem diabetes e que quando teve que extrair cinco dentes, o filho não se prontificou a cuidar dela. E por isso ela resolveu passear. Tomou, Vinícius?
Não o suficiente, porque vinte minutinhos depois, ela publicou outro comentário, com artilharia pesada. Que o filho quando fugiu de casa com a Lorelaine roubou o cartão de crédito dela e fez um empréstimo que ela paga até hoje. Reafirmou que o carro é dela, tá pago. Que não deve nada pro filho, já deu faculdade, deu todos os eletrodomésticos e que – e aqui eu fiquei triste, viu, Dona Evani? – o menino foi adotado, prematuro, pesava só 1,600kg, contra a vontade do pai. “Esse é o pagamento por criar filho dos outros”.
Fiquei triste porque acho que filho é filho, independente da barriga de onde saiu. Quando a gente escolhe ter um filho, a gente faz por amor, né, Dona Evani. Por outro lado, eu entendo que a senhora estivesse se sentindo solitária, sufocada, e que nessas horas a gente fala mesmo o que vem na cabeça. Mas segue o jogo, que eu não sou ninguém para dar conselhos ou fazer filosofia barata com a Dona Evani.
A Dona Evani ficou famosa na internet. Foi para a televisão, ser entrevistada pela Fátima Bernardes. Apareceu em tudo quanto foi jornal e coluna, e sua história foi compartilhada por milhões de pessoas nas redes sociais. Um monte de gente pediu para ser amigo no facebook. Ela aceita todo mundo – até eu.
E é aí que a coisa fica sem graça. Porque, no meio de toneladas de mensagens de incentivo, que a Dona Evani responde uma a uma, ela se dá ao direito, vejam só, de publicar coisas no facebook dela. Coisas que podem até parecer equivocadas aos olhos de algumas pessoas, como a notícia de que a Dona Roseana Sarney pretendia se encontrar com ela em Porto Alegre.
E aí, algumas destas pessoas que a adicionaram, que não conhecem a Dona Evani, que não tem com ela qualquer intimidade, acham que devem ir lá catequizá-la. Que não deve se meter com política, que não deve confiar nos Sarney, que tem gente melhor com quem se afinar. Em outras postagens, novos conselhos e até broncas: que não deveria andar de moto, porque é perigoso. Que deveria trocar postagens por dinheiro, em vez de fazer publicidade de graça para seus amigos. Que a notícia do site de humor que ela compartilhou pensando que era verdade é um boato para desestabilizar o governo. Que…
Peraí, gente. A Dona Evani ficou famosa porque resolveu que queria viver, queria conhecer o mundo, queria ser feliz da porta pra fora… sem dar satisfações a ninguém. E daí aparece esse monte de gente, do nada, querendo ser amigo dela e se permitindo criticar, corrigir e dar pitaco nas escolhas, opiniões e “equívocos” que ela publica? Francamente!
No meio de tudo isso, muita gente é bem intencionada, sim, como os que dizem que andar de moto é perigoso. É perigoso. Mas acho que a Dona Evani tá cansada de saber disso. Ela não é uma criança indefesa. Ela é uma poderosona de 63 anos que saiu de casa sem lenço, sem documento e sem precisar da autorização de ninguém. Ela é quem tem que decidir se assume os riscos de pilotar uma moto ou não.
Mas tem também os exigentes, que ficam bravos e dizem que a Dona Evani só quer aparecer. E se despendem, rancorosos: pra mim deu, fui! Imagino que desfizeram a amizade recém-nascida no facebook com a Dona Evani. Honestamente! De onde sai tanta arrogância? Pedir para adicionar alguém que não conhecem e ainda darem bronca na pessoa. Na pessoa que tem idade para ser mãe, talvez avó, de muitos destes rebeldes senhores de toda a verdade do mundo.
Quem faz isso, aparentemente, não entendeu nada sobre a Dona Evani e sobre o quanto o gesto dela significou. Quem tenta colocar a Dona Evani dentro da caixinha, levando-a inclusive a apagar algumas das postagens “polêmicas”, não é digno de ser amigo dela. Se fosse para isso, melhor seria a Dona Evani ter ficado em casa, esperando que os filhos fizessem por ela o que ninguém deveria fazer: controlar, cercear, criticar e tentar moldar.
Respeitem a Dona Evani, meus jovens. Ela já mostrou que tem coragem de sobra. Não sejam tão exigentes com quem tem muito a lhes ensinar, se não por nada, por já ter vivido mais do que vocês. Se não conseguem ser amigos, não se transformem na palmatória. Libertem Dona Evani!!!
Pitaco da Vivi: mais um exemplo vivo do comportamento universal (e ultimamente internético) que assume que “quem não está comigo, está contra mim”. Relaxaaaa! Às vezes a gente não está com você nem com ninguém. Tá em outro lugar, completamente alheio ao que te interessa… Em outras palavras, pode ser que quem não está contigo esteja, pura e simplesmente, nem aí.
Dona Evani é o máximo, tambem é minha amiga no facebook e eu, quando crescer, quero ser igualzinha a ela… E o seu texto, minha escritora preferidíssima, é sempre excelente. Delicia de ler!!!!
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Imagine se tantas Dona Evanis acordarem para a vida… Vai ter um congestionamento brabo pelas estradas afora. Viva a dona Evani pela coragem e você pela sensibilidade. bjs
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Com sua forma sutil e encantadora de escrever até a história da dona Evani ganha outro brilho… bjos
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se gostou tanto , porque voçê não adota adona evani….
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Pensei que somente eu sentia um certo exagero na forma como as pessoas invadem a privacidade dos outros. A opinião de cada pessoa é algo tão particular que, se não fosse desse modo, seríamos todos uns verdadeiros robôs. Chris, adoro o modo como escreve. E Vivi, acho que é exatamente por aí. Eu não preciso sair concordando ou discordando só para agradar os outros… Eu só preciso ser eu mesma 😉
Bjs
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Sem desnecessário vc fazer esse comentário ” Isso que da criar filho dos outros’…Achei de mau gosto.
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Vivi Reply:
outubro 30th, 2013 at 17:10
@Mell,
Mell, acho que você se confundiu… quem disse essa frase foi a própria D. Evani. A Anna Christina, em seguida à afirmação, disse que ficou triste, mas que entendia que provavelmente ela tinha dito isso em um momento de cabeça quente. Olha lá 😉
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